Compartilhem essa reportagem!

O movimento Monopólio Não, que reúne trabalhadores das empresas de celulose que atuam no Extremo Sul baiano e fomentados (produtores particulares que plantam eucalipto e vendem para as empresas de celulose), pedirá à Polícia Federal que investigue os membros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Na última semana, a Superintendência Geral da autarquia federal aprovou, sem restrições, a negociação que levou à fusão entre Fibria e Suzano, criando uma gigante do setor de celulose no mundo.

Integrantes do movimento, que se opõe à compra da Fibria pela Suzano, consideram suspeito o fato de a decisão do Cade ter sido anunciada poucos dias após as eleições no país. Atualmente, os principais postos do Cade são ocupados por conselheiros indicados pelo presidente Michel Temer. Em 2017, Temer indicou cinco pessoas para o conselho, todas com pouca ou nenhuma atuação anterior na área concorrencial. Três são postos vitais da agência antitruste: o presidente, Alexandre Barreto de Souza; o superintendente-geral, Alexandre Cordeiro Macedo; e o procurador-geral, Walter de Agra Junior.

As indicações de Temer ao Cade foram feitas depois da divulgação da delação de executivos da JBS, que incluíam acusações de pagamento de propina em troca de decisões no Conselho.

Em um dos áudios entregues por Joesley Batista ao Ministério Público Federal, ele fala a Temer que precisava de um presidente “ponta firme” no Cade. O órgão nega que isso tenha ocorrido.

O despacho da decisão da Superintendência-Geral precisa ser publicado no Diário Oficial da União e ainda está sujeito a eventual recurso de terceiros ou avocação, pelo Tribunal do Cade, pelo prazo de 15 dias a contar da publicação no DO.

Ausência do MPF

Uma das irregularidades que pode ser questionada nesse prazo de 15 dias é a ausência do Ministério Público Federal no processo de análise da operação entre a Fibria e a Suzano. No dia 5 de outubro, a Associação dos Produtores Rurais do Extremo Sul da Bahia (Apresba) enviou ofício ao Cade solicitando sua participação no processo de análise da fusão, assim como a presença do Ministério Público Federal, conforme prevê o art. 20 da Lei 12.529/11, conhecida como Lei Antitruste: “Art. 20.  O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, emitir parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator.”

Apesar de a Lei Antitruste não prever a exigência de participação do Ministério Público Federal em atos de concentração, o artigo 127 da Constituição brasileira atribui ao MPF a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Seu papel é de zelar pelo respeito aos bens jurídicos protegidos pela lei, como a livre concorrência, que não constitui direito subjetivo dos agentes econômicos como pensam alguns, mas direito da sociedade. Também incumbe-lhe intervir na proteção dos interesses dos consumidores.

São funções do MP, na defesa da ordem econômica da livre concorrência, a execução das decisões do plenário do Cade, bem como a contribuição com as investigações para apuração de infrações à ordem econômica, inclusive com a emissão de pareceres.

Assim, de forma alguma pode o MP achar-se subordinado a outro órgão, inclusive o Cade, uma vez que, conforme o parágrafo primeiro do artigo 127, o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, sendo “princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.

Portanto, o Poder Judiciário e demais entes essenciais à administração da Justiça protagonizam papel fundamental para garantir a promoção da concorrência no Brasil. Desde as investigações de condutas anticompetitivas até as execuções das multas e das determinações do Cade, o Poder Judiciário está diretamente envolvido, e é crescente o número de casos judicializados.

Isto porque a posição emitida pelo Cade, ou seja, o “julgamento” por ele realizado, não chega a lhe conferir “jurisdição”, não estando seus atos sequer isentos de revisão pelo Poder Judiciário. O que o Cade faz, na verdade, é uma análise técnica e política dos atos que lhes são submetidos, estudando os seus impactos perante o mercado a fim de verificar se esse ou aquele ato chocam-se com os princípios da ordem econômica nacional. Essa análise não se trata exatamente da declaração do direito, mas sim de uma análise técnica de um caso concreto.

 

Portanto, pelas funções do Ministério Público, é de extrema importância que esse também participe da avaliação do ato de concentração envolvendo Fibria e Suzano.

Cade

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica é uma autarquia federal que tem como função orientar, fiscalizar, prevenir atos de concentração empresarial, fusões, incorporações de empresas e punir condutas dos agentes econômicos que ferem o poder econômico, objetiva a proteção da livre concorrência, um dos princípios constitucionais que norteiam a ordem econômica brasileira.

O Cade é dividido em três órgãos: Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos.

Negócios empreendidos por tais agentes econômicos são avaliados pela Superintendência-Geral e, nos casos mais complexos, submetidos aos conselheiros do Tribunal Administrativo. Os novos conselheiros podem avocar os chamados atos de concentração já analisados pela Superintendência Geral, desde que justificadamente, para uma reavaliação. A decisão final sobre os casos é tomada pela maioria dos conselheiros do tribunal – um único integrante não tem poder legal para aprovar ou rejeitar uma fusão unilateralmente.

Indicações polêmicas

O plenário do Cade tem sete cadeiras, sendo composto por um presidente e seis conselheiros, todos com mandatos de quatro anos, vedada a recondução. Eles são escolhidos pelo presidente da República. Do atual quadro do plenário, o presidente e três conselheiros foram indicados por Michel Temer, enquanto outros três conselheiros foram indicações de Dilma Rousseff.

A indicação do superintendente-geral Alexandre Cordeiro Macedo foi polêmica. Ele tem ligações com o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PB), de quem foi vice-ministro das Cidades entre 2012 e 2013, e com o senador Ciro Ciro Nogueira (PI), ambos do PP, partido do dito “Centrão”.

Temer já havia enviado inicialmente o nome de uma técnica do órgão, Amanda Athayde, para o cargo – o que foi elogiado entre advogados pela experiência dela em negociação de acordos de leniência, uma das funções da superintendência. O presidente, no entanto, mudou sua indicação por pressão do presidente do PP, Ciro Nogueira (PI).

Ciro Nogueira é presidente do PP. No fim de 2016, o senador foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da Lava Jato.

Macedo está no Cade desde 2015 como conselheiro. Sobre a indicação à época, a assessoria de Macedo confirma o apadrinhamento de Ciro Nogueira, do PP, mas afirma que sua nomeação é técnica.

Na função de superintendente, ele é responsável por firmar acordos de leniência, inclusive da Lava Jato – operação que atinge, entre outros partidos, o próprio PP.

A Superintendência Geral é a autoridade que dá a palavra final em mais de 90% das fusões e aquisições notificadas por força da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529).

O atual presidente do Cade, Alexandre Barreto, nomeado por Temer, também veio do TCU, assim como o conselheiro Maurício Maia. Nesses dois casos, as indicações são atribuídas ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), que nega. Temer também nomeou o procurador-geral do conselho, Walter de Agra Júnior, o primeiro no cargo que não veio da Advocacia Geral da União (AGU) desde 2005, o que gerou protestos da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe).

Na escolha dos nomes de Alexandre Barreto de Souza e Mauricio Oscar Bandeira Maia pesou mais a indicação de setores do PMDB do núcleo político de Temer que indicações feitas pelos ministérios da Fazenda e da Justiça, como ocorria tradicionalmente. Portanto, o critério que mais pesou na escolha dos dois futuros conselheiros foi político e não técnico.

 

Por. Opinião Pública/ Fonte: O Povo News. 

Olá, WhatsApp do Portal Opinião Pública!