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A prefeitura de Alcobaça publicou no Diário Oficial do dia 11 de dezembro a adjudicação da licitação, realizada horas antes, para a compra de livros paradidáticos de gênero literário a fim de atender as necessidades da rede municipal de educação, nas modalidades de ensino da educação infantil a educação de jovens e adultos (EJA).

Foram adquiridos 73.421 livros, divididos em 99 títulos que contemplam temas como o bullying, discriminação racial, diferença de classes sociais, tráfico de pessoas, drogas, dengue, folclore nordestino, Aids, sexo e DSTs, Internet, etc. O edital foi dividido em oito lotes, por faixa escolar.

A vencedora do certame foi a empresa Gráfica e Editora Canaã Ltda, que tem sede na cidade de Olinda, em Pernambuco, e ofereceu os menores preços para todos os 8 lotes do pregão. O contrato tem prazo de 12 meses.

Estima-se que a prefeitura irá gastar aproximadamente R$ 2,6 milhões da verba do Fundeb com a compra dos livros. O valor exato do contrato com a Canaã não foi divulgado pela prefeitura quando publicou a adjudicação da licitação no Diário Oficial. No site da prefeitura, na área de acesso à informação, que garante a transparência da gestão, o último contrato divulgado é de 25 de setembro deste ano.

Esse processo licitatório viola uma série de premissas previstas na Lei de Licitações, como os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade. Em primeiro lugar, não há justificativa para aquisição de uma quantidade tão grande de livros pela prefeitura.

Não há demanda no município de Alcobaça que fundamente esse gasto vultoso com livros paradidáticos, pois o município tem em torno de 25 mil habitantes e, de acordo com o censo educacional de 2018, há 5.229 alunos matriculados na rede municipal de ensino, de acordo com dados oficiais do MEC. Ou seja, pela licitação, foram adquiridos 14 livros por aluno.

Os livros paradidáticos servem de apoio para as atividades de ensino da rede municipal. De natureza mais literária, são complementares aos didáticos e abordam as diversas áreas do conhecimento — língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história, geografia e artes.

Ao contrário do livro didático, que é individual e pertence ao aluno, um único livro paradidático é utilizado por vários alunos, sendo destinado à biblioteca das escolas. Portanto, não é necessário um número tão grande de exemplares de cada título.

Apesar disso, todos os lotes do edital da prefeitura de Alcobaça pediam mais exemplares do que o número de alunos matriculados na respectiva faixa escolar.

Os lotes 1 a 4 se referem à educação infantil, de 0 a 5 anos. No lote 1 são 120 exemplares de cada título, sendo que o total de crianças de creche, que ainda nem sabem ler, é de 117, conforme dados de 2018 do censo escolar do MEC. Ou seja, mesmo que todos os bebês pegassem um livro para ler ao mesmo tempo, ainda sobrariam três livros nas prateleiras da biblioteca da escola.

Na educação infantil, de 3 a 5 anos, cujo total de alunos em Alcobaça é de 701, foram compradas 1.170 unidades de cada título, somados os lotes 2, 3 e 4. São 469 livros a mais do que seria necessário, sem esquecer que essas crianças também ainda não são alfabetizadas.

O lote 5, com livros para o ensino fundamental I, são 10 títulos com 2.500 exemplares cada, sendo que há apenas 2.043 anos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental em Alcobaça. O excedente de livros, nesse caso, chega a 457 exemplares.

Um dos excessos mais gritantes está nos lotes 6 e 7, destinados ao ensino fundamental II. São 18 títulos com 2.277 exemplares cada, sendo que há apenas 1.355 alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental. Isso significa que a prefeitura comprou 922 livros amais do que o necessário para essa faixa escolar.

Já no lote 8, são 12 títulos voltados a estudantes do EJA ensino fundamental, com 655 exemplares cada, enquanto há apenas 463 matriculados nessa série em Alcobaça.

Direcionamento da licitação

Outra violação da Lei de Licitações observada no edital da prefeitura é o que parece ser o direcionamento do pregão para uma empresa específica. Cada um dos 99 itens dos lotes tem a descrição do tema do livro pretendido. E todas as descrições são idênticas à dos livros paradidáticos anunciados no site da Editora Bagaço, empresa localizada em Recife, capital de Pernambuco e vizinha de Olinda, sede da Gráfica Canaã.

Resta a dúvida do motivo da descrição dos itens copiar a dos livros da Editora Bagaço, já que há no mercado brasileiro diversas editoras que publicam centenas de livros paradidáticos que poderiam atender aos assuntos e temas pretendidos no edital.

Causa estranheza também que, apesar de as descrições no edital corresponderem aos livros da Editora Bagaço, que tem produção própria de títulos, a vencedora do certame foi a Gráfica Canaã, que tem apenas uma coleção de seis livros em seu portfólio, intitulada “O Pequeno Príncipe”.

Preços

O direcionamento da licitação para os livros da Editora Bagaço também viola outra regra da lei das licitações, que é o princípio da economicidade. Os altos preços dos livros da Editora Bagaço chamam a atenção no site da empresa, ficando em média a R$ 35 cada exemplar.

Alguns são ainda mais caros, como o que aborda o mosquito aedes aegyti, anunciado a R$ 40,00 no site da editora. Esse livro do aedes é descrito nos itens 69 (2.500 exemplares) e 83 (1.800 exemplares). Se a prefeitura tiver adquirido esse título pelo mesmo preço do site (R$ 40), somente com a compra desse livro foram gastos R$ 172 mil.

Pela média de preço de R$ 35 cada livro, a prefeitura pode ter gasto um total de R$ 2.570.000,00 na compra dos 73.421 exemplares.

Livros com temas parecidos

Diversos livros do mesmo lote versam sobre assuntos iguais ou muito semelhantes. Os itens 6 e 7 pedem livros sobre as particularidades dos animais, os itens 19 e 20 tratam da amizade, os itens 40 e 43 abordam o cuidado com os dentes, os itens 47 e 49 falam sobre o circo, etc.

Outros lotes têm itens idênticos. No lote 1, dez dos 16 itens têm mesma descrição: novela escrita em forma de blog no qual o universo dos folguedos nordestinos é revisitado de maneira lúdica e recontado com conceitos da cultura erudita e da história.

Essa descrição é igual à da coleção “Quem é, Quem é?”, da Editora Bagaço, que tem vários volumes, cada um com um animal diferente. Portanto, supõe-se que cada item igual seja um volume da coleção.

O mesmo acontece no lote 6, cujos itens 79, 80, 81 e 82 são iguais: novela escrita em forma de blog no qual o universo dos folguedos nordestinos é revisitado de maneira lúdica e recontado com conceitos da cultura erudita e da história. A Editora Bagaço tem uma coleção chamada “Crônicas do Mateus” com vários volumes sobre esse tema.

Os itens 19 e 64 também têm a mesma descrição: “a amizade entre duas crianças e os conflitos oriundos das relações interpessoais, tratados de forma lúdica e simples”. Também são iguais os itens 77 e 95, 76 e 94, 78 e 96, e 69 e 83.

Outro fato que reforça a tese de direcionamento da licitação é que alguns itens são descolados da realidade dos alunos alcobacenses e até mesmo baianos. Exemplo disso são os que pedem livros sobre carnaval pernambucano (item 51) e sobre a história da caipora, lenda da zona da mata sul de Pernambuco (itens 77 e 95).

Histórico de sobrepreço

Além de ambas as empresas terem sede no estado do Pernambuco, a Canaã e a Bagaço também têm em comum problemas com denúncias de sobrepreço e fraude em licitações.

Em agosto deste ano, uma compra de R$ 4,4 milhões em livros didáticos feita pela Secretaria de Estado da Educação da Paraíba foi considerada irregular pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB). Segundo decisão, a licitação e o contrato com a empresa Bagaço Design Ltda contêm irregularidades, entre elas sobrepreço de R$ 1,8 milhão.

Em janeiro deste ano, o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) suspendeu a compra sem licitação de quatro mil livros pela Assembleia Legislativa pernambucana que iriam homenagear o ex-governador Miguel Arraes, pelo custo total de R$ 1,8 milhão.

A Editora Canaã foi a contratada para realizar a produção dos livros. Os livros seriam distribuídos em um “kit-box” com dois livros, ao custo unitário de R$ 456 cada kit.

A compra dos quatro mil livros só foi publicada no Diário Oficial em 27 de dezembro, entre o Natal e o Ano Novo, quando a Assembleia e o próprio TCE estavam em recesso de fim de ano.

 

Fonte: Portal O Povo News

 

Por: Opinião Pública/ Da Redação/

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